Influenciadores estimulam ‘caçadas’ a pessoas LGBTQIA+ na Costa do Marfim

Inúmeros ataques, espancamentos e intimidações online e nas ruas têm sido registrados por homens gays em país que era considerado um dos mais tolerantes da África Ocidental.

Por The New York Times — Abidjan

A Costa do Marfim há muito tempo era um refúgio para pessoas LGBTQIA+, mesmo quando enfrentavam discriminação ou perseguição em outras partes da África Ocidental. Mas, nos últimos dois meses, dezenas de ataques, espancamentos e intimidações online e nas ruas abalaram essa sensação de segurança.

Dezenas de homens gays e pessoas transgênero disseram em entrevistas e testemunhos coletados por grupos de direitos que foram atacados e espancados na maior cidade da Costa do Marfim, Abidjan, depois que vários influenciadores nas redes sociais incitaram seus seguidores a “caçar woubis”, um termo que se refere a homens gays afeminados no país e que se tornou uma frase usada para designar uma comunidade estigmatizada.

E o mais jovem parlamentar do país, que pertence ao mesmo partido que o presidente Alassane Ouattara, prometeu apresentar um projeto de lei no Parlamento para “contrariar a expansão” da homossexualidade.

Grupos de direitos humanos agora temem que a hostilidade aberta que as pessoas LGBTQIA+ enfrentaram em outros países da África Ocidental e Central esteja se enraizando na Costa do Marfim.

“A Costa do Marfim era um oásis de paz para a comunidade”, disse Carlos Idibouo, um ativista LGBTQIA+ marfinense e consultor em questões de gênero. “Agora nos perguntamos, as pessoas estão seguras?”

Mais de 30 dos 54 países da África criminalizam a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo, incluindo muitos com leis que datam do período colonial britânico. No ano passado, seis países deram passos em direção a leis mais rígidas contra os gays – incluindo Gana, vizinho da Costa do Marfim, e Uganda, onde uma das leis anti-gays mais restritivas do mundo agora prevê prisão perpétua para quem praticar sexo gay.

A homossexualidade não é nem legal nem ilegal na Costa do Marfim, uma nação multicultural de cerca de 30 milhões de habitantes que se orgulha de sua cultura de hospitalidade. E Abidjan, conhecida por sua movimentada cena musical, de moda e de artes, há muito é um ponto de encontro favorito para reuniões regionais organizadas por grupos de direitos e organizações queer.

Um mercado em Abidjan, na Costa do Marfim, onde multidões de jovens homens fizeram um ataque anti-gay no mês passado — Foto: Arlette Bashizi/The New York Times
Um mercado em Abidjan, na Costa do Marfim, onde multidões de jovens homens fizeram um ataque anti-gay no mês passado — Foto: Arlette Bashizi/The New York Times

As gerações mais jovens de pessoas LGBTQIA+ também – até recentemente – sentiam-se livres para encontrar seus parceiros ou encontros do Tinder em bares, restaurantes ao ar livre e festivais.

Mas muitos, como Franck Blé, um cabeleireiro gay de 21 anos, não podem mais fazer isso.

No mês passado, Blé disse em uma entrevista que estava fumando um cigarro de manhã no bairro de Abidjan onde mora quando dois homens se aproximaram e perguntaram: “Seus amigos que se comportam como mulheres, onde estão?” Eles bateram em Blé com pedras e paus, deixando-o com o rosto ensanguentado, um olho roxo e uma fratura no osso da sobrancelha.

Esse ataque foi um dos mais de 45 agressões a pessoas LGBTQIA+ registradas desde o início de setembro pelo Gromo, um grupo LGBTQIA+ marfinense.

A recente onda de homofobia começou nas redes sociais. Neste verão, vários influenciadores acusaram o governo marfinense de buscar favorecer pessoas LGBTQIA+ através de uma lei que protegeria a “orientação sexual” de qualquer cidadão. E, no mês passado, usuários das redes sociais compartilharam um vídeo falso que supostamente mostrava o presidente Emmanuel Macron, da França, declarando que havia pedido a Ouattara para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Mamadou Touré, porta-voz adjunto do governo da Costa do Marfim, disse em uma entrevista que o governo estava comprometido em proteger todos os marfinenses, mas que não estava buscando legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Com uma eleição presidencial marcada para o próximo outono, analistas políticos e grupos de direitos na Costa do Marfim agora temem que um candidato ou uma potência estrangeira possa fomentar o ódio homofóbico para angariar apoio durante a campanha.

Um influenciador, Camille Makosso, pediu aos seus seguidores que ajudassem a “parar a praga do woubisme e os avanços da AIDS na Costa do Marfim” – apesar de, como documentado pelas Nações Unidas, uma diminuição constante nas novas infecções pelo HIV no país. (E, de acordo com o UNAIDS, a maioria das novas infecções por HIV entre os marfinenses ocorre entre pessoas heterossexuais.)

A conta de TikTok de Makosso foi suspensa depois que ele encorajou seus seguidores a “caçar” homens gays em um vídeo. Mas as mensagens homofóbicas em algumas de suas outras contas de redes sociais ainda estão online, e alguns seguidores atenderam aos seus apelos por violência.

Certa noite, no início de setembro, multidões de jovens homens invadiram um mercado popular no bairro de Yopougon, em Abidjan, onde estilistas gays cristãos trançam os cabelos de clientes ao lado de mulheres muçulmanas que vendem roupas tradicionais. “Os gays devem ir embora”, gritaram os jovens enquanto saqueavam os salões, segundo meia dúzia de cabeleireiros e moradores.

Virgil Koré, um cabeleireiro gay, disse que quebrou o tornozelo quando pulou sobre um corrimão para escapar dos agressores e caiu abruptamente de uma altura de 3 metros.

Virgil Koré, um cabeleireiro, quebrou o tornozelo ao pular sobre uma grade para escapar de agressores no mercado de Abidjan. — Foto: Arlette Bashizi/The New York Times
Virgil Koré, um cabeleireiro, quebrou o tornozelo ao pular sobre uma grade para escapar de agressores no mercado de Abidjan. — Foto: Arlette Bashizi/The New York Times

“Eles teriam matado eles naquela noite”, disse sua empregadora, Maimouna Soumaoro, enquanto Koré gemia de dor com o tornozelo dolorido em uma noite recente e se arrastava em volta de um cliente cujo cabelo estava sendo trançado.

Touré, o porta-voz do governo, acusou ativistas em países vizinhos, cujos governos são abertamente hostis ao da Costa do Marfim, como Burkina Faso e Mali, de provocarem a campanha online em um momento em que governos militares da região se alinharam cada vez mais com a Rússia e a desinformação pró-Rússia inundou os espaços de mídia online em alguns países da África Ocidental.

Mas ele também fez um alerta aos LGBTQIA+ na Costa do Marfim.

“A Costa do Marfim é aberta, mas continua sendo um país africano onde esses temas permanecem contrários aos nossos valores”, disse ele, acrescentando que pessoas LGBTQIA+ não deveriam “cair em provocações”.

Os incidentes recentes dividiram a comunidade LGBTQIA+ marfinense, com alguns ativistas mais jovens querendo fazer barulho, enquanto os mais velhos os instaram a deixar a tempestade passar.

Embora a série de ataques físicos recentes tenha diminuído, muitas pessoas LGBTQIA+ em Abidjan pararam de se encontrar em público e só saem à noite, disseram mais de meia dúzia deles em entrevistas.

Blé, que foi agredido enquanto fumava um cigarro, disse que não voltou ao trabalho desde então.

Durante o ataque no popular mercado, jovens homens gritaram: "Os gays devem ir embora", enquanto saqueavam os salões de cabeleireiro — Foto: Arlette Bashizi/The New York Times
Durante o ataque no popular mercado, jovens homens gritaram: “Os gays devem ir embora”, enquanto saqueavam os salões de cabeleireiro — Foto: Arlette Bashizi/The New York Times

O Globo

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