O ativismo LGBT na Argentina e um obstáculo para Milei: “O fascismo deve ser combatido de forma coletiva”

Woke, o termo em inglês frequentemente utilizado pelo presidente Javier Milei, seu porta-voz Manuel Adorni, o ideólogo fundamentalista Agustín Laje, entre outros e outras figuras deste governo cruel, poderia ser interpretado como “despertei”. Nos Estados Unidos, foi empregada para manifestar um entendimento coletivo acerca do racismo, da segregação sexual e da misoginia. Posteriormente, foi transformada em mercadoria, quando as empresas de entretenimento buscaram reparar injustiças históricas ao implementar cotas de representação em seus produtos. No entanto, esse “despertar” foi promovido por movimentos sociais que, por décadas, denunciaram a exclusão, a desumanização e a pobreza impostas pela supremacia branca e próspera sobre todos os indivíduos que vivem nas diversas diferenças de cor de pele, gênero, orientação sexual e estilos de vida.

A chamada da comunidade LGBTIQ+, que se autorepresenta através de seu desejo de viver, amar e cuidar de si mesma, expandindo as fronteiras de um mundo excludente e com uma crescente desigualdade de riqueza, demonstra essa insônia capaz de abalar toda a sociedade. O presidente, que nos ameaçou desmoronar por sermos “de esquerda” ou “boluprogressistas”, está sentindo o chão se mexer sob sua tão exaltada participação social. A Marcha Federal pelo Orgulho Antifascista e Antirracista LGTBIQNB+ tornou-se totalmente inclusiva e diversificada, tal como as cores da nossa comunidade e as tonalidades das peles daqueles que habitam este território.

Esta transversalidade e essa resposta em um período de tempo tão breve representam uma inovação. Ligaram o cansaço de um ano inteiro multiplicando horas de trabalho para assegurar o mínimo com a violência despejada diariamente pelo poder: o encerramento de hospitais, a supressão de remédios para aposentados e pensionistas, o ataque a refeitórios públicos, discursos de ódio e uma infinidade de outros exemplos que conhecemos. Se nada for feito, o sapo acaba morrendo na panela. Nós não somos sapos, também estamos cansados. Não vamos permitir que, diante da opinião pública, aqueles que este governo vê como descartáveis, fracassados, etc. morram.

A resposta da comunidade LGBTIQ+ foi um impacto intenso e sensível. Declaramos: “nossas vidas estão em perigo”, e a ressonância dessas palavras assumiu formas tangíveis, claras e tangíveis. O “nossos” não se limita às palavras do orgulho; impacta todos, todas, todas as partes. Até quando será permitido ignorar o outro lado enquanto as ruas estão repletas de pessoas sem teto, tratadas como lixo? Até quando o rancor será o que estrutura a vida em comunidade? Referir-se a “vagabundos de auxílio” ou “privilégios” para se referir a ações que corrigem injustiças históricas, demonizar as mulheres que denunciam violência como se estivessem em busca de benefícios não é mais suficiente para encontrar culpados na vizinha do lado, no educador infantil, no indivíduo que recolhe os resíduos.

Se o convite para a Marcha do Orgulho Antifascista, Antirracista LGBTIQ+ ultrapassou as fronteiras do primeiro chamado autoconvocado por uma comunidade específica, é porque esta sociedade já declarou Nunca Mais. Esta sociedade inscreveu em sua memória comum que seu compromisso democrático não permite a eliminação do outro, da outra, do outro em nome de cruzadas ideológicas – que, na realidade, são econômicas – de qualquer natureza. Esta sociedade se opõe ao fascismo e defende sua alegria, aquela que invade as ruas quando os direitos são expandidos, quando é possível enxergar o outro nos olhos. Não é simples recordar o sentimento de emoção e felicidade popular que se espalhou por todo o país quando o casamento igualitário foi aprovado?

Apesar de o casamento não ser o objetivo de toda a comunidade, e mesmo que discutamos sobre is so, o reconhecimento em massa de outras existências, a possibilidade de se identificar em comunidades isoladas tanto quanto em grandes metrópoles, onde a lei oferecia proteção para dizer “sim, sou lésbica”, “sim, sou gay, sou queer, trans ou travesti”, gerou uma imensa onda de carinho. Posteriormente, surgiu a lei de identidade de gênero, trazendo um alívio – que ainda deve compensar as décadas de perseguição e tortura em delegacias contra travestis e pessoas trans – que não foi apenas experimentado por quem assume essas identidades, mas também por suas famílias, escolas, chegando até aos hospitais e centros de saúde. Foi possível superar o medo para adquirir uma casa?

Apesar de não podermos vê-las, existem algumas lágrimas neste texto. Existe toda uma trajetória, na perspectiva de quem escreve, vinculada a essas vitórias. Também em relação às perdas. O dia em que percebi que poderia ser legalmente mãe do meu filho, atualmente com 16 anos, concebido por um casal de lésbicas. A onda verde que emergiu no Congresso, onde muitos adolescentes foram desarmados do temor da sexualidade devido ao perigo de uma gravidez não planejada. A ida ao memorial onde minha mãe sumiu e a descoberta de seus restos mortais numa vala comum só foram possíveis graças ao apoio e financiamento de políticas públicas na procura desses restos.

Histórias pessoais estão conectadas a narrativas coletivas. Isso é o que as pessoas compreendem e o que as mobiliza para as ruas em grande número. Se permitirmos que a ideia de aniquilar um grupo, independentemente do tamanho, se estabeleça, estaremos favorecendo o fascismo. Assim como para voltar a viver no armário, já declaramos: Nunca mais.

Este texto foi originalmente publicado em El Destape, Argentina.

 

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